O vocábulo [você] tem a sua origem por volta séculos XVI, XVII, época em que a língua portuguesa se consolidou e tomou as formas que tem hoje (especialmente ao nível da fonética e do léxico), como abreviação da forma [vossa mercê], usada no tratamento à nobreza, clero e demais alimárias que mandam (ou pelo menos tentam) no pessoal.
Ora, esta forma de tratamento quando cristaliza, ou seja, quando se institucionaliza, começa a sofrer os efeitos de erosão que resultam do princípio da economia linguística, formulado, salvo erro, por Jakobson. Que quer isto dizer no caso do [vossa mercê]? As pessoas ao usarem a língua, como em qualquer outra coisa, tendem a ir sempre pelo caminho que pensam ser o mais fácil e o mais curto e, quando essas mesmas pessoas não sabem escrever nem ler, o discernimento da composição sintáctica e morfológica de uma expressão já cristalizada pode ser difícil. Assim aconteceu o [vossa mercê] veio dar em [vocemecê] (que ainda conta com alguma frequência de utilização por idosos em zonas rurais de Portugal), em [vosmecê] (expressão ainda utilizada com alguma frequência nas zonas rurais do Brasil) e finalmente em [você]. A utilização da expressão [você], neste momento, é generalizada na língua portuguesa, ainda que a diferntes níveis:
1) em Portugal:
a) usada como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal, em relação a desconhecidos, pessoas mais velhas e superiores hierárquicos (seja lá isso o que for), se bem que as elites institucionalizaram que o uso da expressão [você] deve ser evitado por deselegância (!!!), preferindo o uso simples da forma verbal na terceira pessoa, ou o uso da forma [senhor];
b) o seu plural [vocês] usada como forma de tratamento da segunda pessoa do plural, em substituição do pronome [vós] e respectiva conjugação verbal, especialmente a sul do Mondego.
c) usada por algumas elites portuguesas como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal, em relação a familiares e amigos, reservando o tratamento com a forma [tu] e respectiva conjugação verbal para o tratamento de pessoas, supostamente inferiores hierarquicamente (o inverso da alínea a) - agora também está na moda as elites comerem migas com carapaus e as não-elites comerem costeleta de novilho engordada com hormonas (antes era ao contrário)).
2) Brasil: quer o seu singular [você], quer o seu plural [vocês] são usados como forma de tratamento da segunda pessoa, quer singular, quer plural, de modo geral. É generalizada a abreviação estas expressões, na oralidade para /cê/ e /cês/. As formas [tu] e [vós] é muito pouco usada e, mesmo assim, conjugada com a terceira pessoa (ex: tu vai); excepção: as representações de peças, séries e filmes históricos ou que se baseiam em textos clássicos da língua portuguesa (também os há com origem no Brasil).
Nota 1): a língua portuguesa sofreu, no Brasil, uma simplificação que passou pela redução do número de pessoas verbais: das seis (1) do português europeu antigo e moderno a norte do Mondego passaram a quatro (2) (assim como no português europeu a sul do Mondego passaram a cinco (3), situação que é análoga com a que se passou com o inglês: o [thou] (tu) de Shakespeare foi completamente substituído por [you] (vós/tu) e denota a tal economia linguística de que falei há pouco.
(1) eu sou, tu és, ele/ela é, nós somos, vós sois, eles/elas são.
(2) eu sou, você é, ele/ela é, nós somos, vocês são, eles/elas são.
(3) eu sou, tu és, ele/ela é, nós somos, vocês são, eles/elas são.
Nota 2): Os emigrantes e estudantes brasileiros em Portugal tem alguma dificuldade em conjugar os pronomes [tu] e [vós] com a segunda pessoa verbal.
3) África: usada como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal de um modo mais ou menos generalizado, isto apesar de os falantes de português destes países não terem, normalmente, qualquer dificuldade em conjugar o pronome [tu] com a segunda pessoa verbal. No plural o uso da forma [vocês] é generalizado.
Uma nota pessoal: a minha mãezinha, talvez pelas origens beirãs e as típicas expressões (e tão característcas que são que até os estimados Gatos Fedorentos já usaram o famoso "c'um catano"), mantem o uso da expressão vocemecê até hoje! Quiçá daqui a uns anos estará novamente no Português corrente este vocábulo... Quiçá.
Uma nota política: no pós-25 de Abril houve uma prática social que consistia no tratamento por [tu] a quem quer que fosse, seguindo o espírito igualitário das várias doutrinas socialistas que dominavam a opinião na altura.
Duas notas políticas, sociais e etimológicas e semânticas: dada a origem das expressões [vossa mercê/você] e [senior/senhor], a primeira com sentido subalternizante directo (estou à vossa mercê, senhor), a segunda que em latim significava “o mais velho”, evoluiu semânticamente para terratenente (proprietário de terras) em português arcaico (conde de Alfarrobeira e senhor de todalas terras do seu termo (podem ler-se muitos documentos redigidos de uma forma semelhante a esta na Torre do Tombo)), evoluindo para português actual com o sentido de pessoa desconhecida.
Como acredito na igualdade de todos os homens, parece-me redutor e subalternizante colocar-me “à mercê” de alguém, ou tratar alguém como se fosse o proprietário da terra onde vivo, ou mesmo proprietário da minha “alma”, como se diria na Idade Média (contudo como falante do português de Portugal do século XXI, utilizo as convenções impostas pela sociedade portuguesa, não lhes atribuindo as cargas etimológico-semânticas que influenciam o seu sentido).
Nota universal: o galego-português, dada a sua importância como língua universal, falada como idioma oficial em 8 países e 2 territórios em 5 continentes, é um factor de união entre povos e culturas. Como há outro princípio linguístico que revela que a língua é fluida e dinâmica, e não estática, deve ser promovido o intercâmbio entre os falantes da mesma língua, para que as variedades faladas em cada território não se afastem demasiado das outras, criando assim novas línguas (o que acabará por acontecer mais cedo ou mais tarde (digo eu, em pleno exercício de futurologia, por analogia com o latim).
Ora, esta forma de tratamento quando cristaliza, ou seja, quando se institucionaliza, começa a sofrer os efeitos de erosão que resultam do princípio da economia linguística, formulado, salvo erro, por Jakobson. Que quer isto dizer no caso do [vossa mercê]? As pessoas ao usarem a língua, como em qualquer outra coisa, tendem a ir sempre pelo caminho que pensam ser o mais fácil e o mais curto e, quando essas mesmas pessoas não sabem escrever nem ler, o discernimento da composição sintáctica e morfológica de uma expressão já cristalizada pode ser difícil. Assim aconteceu o [vossa mercê] veio dar em [vocemecê] (que ainda conta com alguma frequência de utilização por idosos em zonas rurais de Portugal), em [vosmecê] (expressão ainda utilizada com alguma frequência nas zonas rurais do Brasil) e finalmente em [você]. A utilização da expressão [você], neste momento, é generalizada na língua portuguesa, ainda que a diferntes níveis:
1) em Portugal:
a) usada como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal, em relação a desconhecidos, pessoas mais velhas e superiores hierárquicos (seja lá isso o que for), se bem que as elites institucionalizaram que o uso da expressão [você] deve ser evitado por deselegância (!!!), preferindo o uso simples da forma verbal na terceira pessoa, ou o uso da forma [senhor];
b) o seu plural [vocês] usada como forma de tratamento da segunda pessoa do plural, em substituição do pronome [vós] e respectiva conjugação verbal, especialmente a sul do Mondego.
c) usada por algumas elites portuguesas como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal, em relação a familiares e amigos, reservando o tratamento com a forma [tu] e respectiva conjugação verbal para o tratamento de pessoas, supostamente inferiores hierarquicamente (o inverso da alínea a) - agora também está na moda as elites comerem migas com carapaus e as não-elites comerem costeleta de novilho engordada com hormonas (antes era ao contrário)).
2) Brasil: quer o seu singular [você], quer o seu plural [vocês] são usados como forma de tratamento da segunda pessoa, quer singular, quer plural, de modo geral. É generalizada a abreviação estas expressões, na oralidade para /cê/ e /cês/. As formas [tu] e [vós] é muito pouco usada e, mesmo assim, conjugada com a terceira pessoa (ex: tu vai); excepção: as representações de peças, séries e filmes históricos ou que se baseiam em textos clássicos da língua portuguesa (também os há com origem no Brasil).
Nota 1): a língua portuguesa sofreu, no Brasil, uma simplificação que passou pela redução do número de pessoas verbais: das seis (1) do português europeu antigo e moderno a norte do Mondego passaram a quatro (2) (assim como no português europeu a sul do Mondego passaram a cinco (3), situação que é análoga com a que se passou com o inglês: o [thou] (tu) de Shakespeare foi completamente substituído por [you] (vós/tu) e denota a tal economia linguística de que falei há pouco.
(1) eu sou, tu és, ele/ela é, nós somos, vós sois, eles/elas são.
(2) eu sou, você é, ele/ela é, nós somos, vocês são, eles/elas são.
(3) eu sou, tu és, ele/ela é, nós somos, vocês são, eles/elas são.
Nota 2): Os emigrantes e estudantes brasileiros em Portugal tem alguma dificuldade em conjugar os pronomes [tu] e [vós] com a segunda pessoa verbal.
3) África: usada como forma de tratamento da segunda pessoa do singular, em substituição do pronome [tu] e respectiva conjugação verbal de um modo mais ou menos generalizado, isto apesar de os falantes de português destes países não terem, normalmente, qualquer dificuldade em conjugar o pronome [tu] com a segunda pessoa verbal. No plural o uso da forma [vocês] é generalizado.
Uma nota pessoal: a minha mãezinha, talvez pelas origens beirãs e as típicas expressões (e tão característcas que são que até os estimados Gatos Fedorentos já usaram o famoso "c'um catano"), mantem o uso da expressão vocemecê até hoje! Quiçá daqui a uns anos estará novamente no Português corrente este vocábulo... Quiçá.
Uma nota política: no pós-25 de Abril houve uma prática social que consistia no tratamento por [tu] a quem quer que fosse, seguindo o espírito igualitário das várias doutrinas socialistas que dominavam a opinião na altura.
Duas notas políticas, sociais e etimológicas e semânticas: dada a origem das expressões [vossa mercê/você] e [senior/senhor], a primeira com sentido subalternizante directo (estou à vossa mercê, senhor), a segunda que em latim significava “o mais velho”, evoluiu semânticamente para terratenente (proprietário de terras) em português arcaico (conde de Alfarrobeira e senhor de todalas terras do seu termo (podem ler-se muitos documentos redigidos de uma forma semelhante a esta na Torre do Tombo)), evoluindo para português actual com o sentido de pessoa desconhecida.
Como acredito na igualdade de todos os homens, parece-me redutor e subalternizante colocar-me “à mercê” de alguém, ou tratar alguém como se fosse o proprietário da terra onde vivo, ou mesmo proprietário da minha “alma”, como se diria na Idade Média (contudo como falante do português de Portugal do século XXI, utilizo as convenções impostas pela sociedade portuguesa, não lhes atribuindo as cargas etimológico-semânticas que influenciam o seu sentido).
Nota universal: o galego-português, dada a sua importância como língua universal, falada como idioma oficial em 8 países e 2 territórios em 5 continentes, é um factor de união entre povos e culturas. Como há outro princípio linguístico que revela que a língua é fluida e dinâmica, e não estática, deve ser promovido o intercâmbio entre os falantes da mesma língua, para que as variedades faladas em cada território não se afastem demasiado das outras, criando assim novas línguas (o que acabará por acontecer mais cedo ou mais tarde (digo eu, em pleno exercício de futurologia, por analogia com o latim).
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